Marlene Aparecida Guiselini Benedetti

Dr. Trajano de Barros Camargo
Tony Koegl – óleo sobre tela, 1935¹
Fotografia: Josiane Stahl. 08/09/2014
O patrono
O Dr. Trajano de Barros Camargo é um dos pioneiros da indústria de Limeira e um dos personagens mais lembrados e relembrados da historiografia da cidade. Nasceu em Limeira, no dia 15 de março de 1890, filho do Cel. Flamínio Ferreira de Camargo e de D. Cândida Virgínia de Barros. Dos 10 filhos do casal, Trajano era o sexto. Estudou, em São Paulo, no Colégio Buarque e no Seminário Episcopal e, no secundário, na Escola Americana. Formou-se, em 1909, aos 19 anos de idade, na Escola de Engenharia do Instituto Mackenzie, atual Universidade Presbiteriana Mackenzie. No início de 1910, ingressou na University of Wisconsin, em Madison (WI), para fazer um curso de especialização em Mecânica Industrial. Participou
como flautista da Orquestra Sinfônica da universidade. Sem ter concluído os estudos, em novembro de 1910, devido ao falecimento de seu pai, retornou dos Estados Unidos.
A partir de 1911, dedicou-se ao comércio e à indústria de madeira no povoado chamado Faxina de Itapeva, hoje cidade de Itapeva. Lecionou matemática na Escola Agrícola de Piracicaba, mais tarde, denominada Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Nessa cidade conheceu a professora Maria Thereza Silveira Mello, neta de Prudente de Morais, o primeiro presidente civil da república (1894-1898). O casamento aconteceu, no dia 10 de fevereiro de 1914, no Rio de Janeiro, onde residia o Dr. Silveira Mello, pai da noiva.
Trajano Camargo, no dia 30 de janeiro de 1914, constituiu em Piracicaba, com dois sócios, Abelardo Aguiar de Souza e Antonio Augusto de Barros Penteado, seu cunhado, a empresa “Souza Penteado e Cia” para a produção de máquinas para beneficiamento de café. Com a saída do primeiro sócio, a indústria, já com a denominação de “B. Penteado & Cia”, em 1917, foi transferida para Limeira. No início dos anos de 1920, concebeu o primeiro descascador de café por impacto do Brasil. A criação foi tão importante para a indústria nacional que lhe deu o prêmio maior da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro. Essa exposição foi aberta oficialmente em 07 de setembro de 1922 e encerrada na primeira semana de julho de 1923.
Na década de 1920, foi grande o crescimento da empresa, agora denominada Machina São Paulo, fato que atraiu profissionais de cidades vizinhas. No seu apogeu, chegou a ter mais de 600 empregados. Alguns deles, com o estímulo do patrão, fundaram oficinas e fábricas do ramo mecânico-metalúrgico. Para os filhos, maiores de 12 anos, dos funcionários, a Machina São Paulo oferecia na própria fábrica cursos de carpintaria e de montagem de máquinas. Os aprendizes produziam e aumentavam a renda familiar. A sociedade com Antonio Augusto de B. Penteado foi desfeita.

Funcionários da Machina São Paulo – Limeira – SP, entre 1924 e 1930.
Acervo: James Camargo Moore.
A Machina São Paulo, antes mesmo da legislação trabalhista expressa na Constituição Federal de 1934, oferecia a seus empregados benefícios como férias, assistência médica familiar, participação nos lucros, incentivos à evolução de carreira e gratificação conforme o desempenho. O Dr. Trajano mandou construir para os seus encarregados, os contramestres, quarenta e oito pequenas casas na Villa São Paulo, uma quadra delimitada pelas ruas Tiradentes, Humaitá, Carlos Gomes e uma rua sem nome (hoje Tenente Belizário). Adquiriu onze casas pequenas na Villa Sant’Anna, na quadra delimitada pelas ruas Visconde do Rio Branco, Alferes Franco, 1º de Março (atual Presidente Roosevelt) e Humaitá.
Foi vereador, presidente da Câmara Municipal de Limeira, vice-prefeito e, algumas vezes, prefeito. Estimulou a transferência, em 1923, de Descalvado para Limeira, do Colégio Santo Antônio, escola de instrução primária e secundária, sob a direção geral do professor Antonio de Queiroz, seu colega de estudos no Mackenzie College.
Trajano de Barros Camargo faleceu em Limeira no dia 8 de abril de 1930, vítima da moléstia de Hodgkin, aos 40 anos de idade. Deixou viúva a Sra. Maria Thereza Silveira de Barros Camargo e sete filhos menores: Nelson, Flávio, Renato, Flamínio, Trajano, Prudente e Maria Thereza. Era visto por seus conterrâneos como um homem bom, caridoso, modesto, simples, de grande valor e cultura, um homem sem vaidade e sem orgulho, que amou o estudo, o trabalho e os pobres.
Dona Therezinha, como era conhecida, assumiu a indústria e, mais tarde, dividiu a direção com os filhos. A empresa fabricou uma variedade de produtos, tais como descascadores de milho, de arroz e de mandioca, material bélico, rádio, máquina para a indústria têxtil. Entretanto, os tempos difíceis, provocados por um conjunto de fatores – crise de 1929, Revolução Constitucionalista de 1932, 2ª Guerra Mundial e decisões governamentais, levaram a Machina São Paulo a encerrar suas atividades, no início da década de 1960.
A instituição escolar
Ao longo dos anos, a escola Trajano Camargo passou por diversas estruturas decorrentes de suas denominações, mas sempre com o mesmo patrono. Esses são os nomes: escola industrial (E.I., dez/1944-fev1965), ginásio industrial estadual (G.I.E.,1965-fev/1975), centro interescolar estadual (C.E.I.,1975-fev/1980), escola estadual de 2º grau (EESG,1980-fev/1982), escola estadual de 1º e 2º grau (EEPSG,1982-dez/1990), escola técnica estadual de segundo grau ao ser integrada às escolas técnicas estaduais (ETESG,1990-maio/1994). A partir de 1º de janeiro de 1992, pelo Decr. nº 34.032 de 22/10/1991 (DOE de 23/10/91), foi transferida da Secretaria da Educação para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. O Decreto nº 37.735 de 27/10/93 (DOE 28/10/93) autorizou a transferência das escolas técnicas estaduais para o Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” (1º de janeiro de 1994). Recebeu então as denominações de escola técnica estadual (ETE,1994-2007) e, finalmente, de escola técnica (Etec).
Nesses 62 anos de existência, foram diretores: prof. Creso Assumpção Coimbra (1953/1965); prof. Manoel da Silva (1965/1971); prof. Cyríaco Antônio Hespanhol (1971/1973); prof. Fernando Dário (1973/1975); prof. Arnaldo Luiz de Gaspari (1976/1992); profa. Márcia Della Coletta Sillman (1992/1993); prof. José Henrique Heydman Júnior (1993); Clara Viana Cacci e José Vitório Sacilotto (1994); profa. Neusa Bertim de Campos (1994/2004); Edilze Bonavita M. Mendes (2004);prof. José Henrique Heydman Jr. (2004/2012) e prof. Diógenes Nielsen Jr. (2012 até hoje).
A escola Trajano Camargo, seus cursos, professores e alunos, nas décadas de 1930, 1950, 1960 e 1970, foi objeto de estudo de projetos de pesquisa específicos, desenvolvidos em horas atividades disponibilizadas pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Esses são alguns dos resultados.
1. A origem
Em 1909, o Presidente da República Nilo Peçanha criou, em cada uma das capitais dos estados, uma escola de aprendizes artífices, destinada a ministrar o ensino profissional primário gratuito para os “desfavorecidos da fortuna”. No estado de São Paulo foram instaladas duas escolas na capital e algumas no interior. Posteriormente, o Dr. Armando de Salles Oliveira, interventor federal, imprimiu maior impulso ao ensino dos ofícios ao criar cursos ferroviários e núcleos de ensino profissional em Rio Claro, Jundiaí, Campinas, Bauru, Pindamonhangaba, São Paulo e Cachoeira. Estabeleceu também um regime de cooperação entre o estado e as municipalidades. Limeira, em visível processo de industrialização, com D. Maria Thereza Silveira Mello de Barros Camargo no cargo de prefeito da cidade, criou uma escola profissional pelo Ato Municipal 39, de 05 de setembro e 1934.
A escola denominada “Escola Profissional Mixta Primária de Limeira” deveria adotar os mesmos programas e orientações das escolas profissionais oficiais, com quatro cursos técnicos – Mecânica em Geral, Carpintaria, Puericultura e Corte e Confecções em Geral, os quais poderiam ser diurnos ou noturnos. E, anexos a ela, funcionariam dois cursos de alfabetização (masculinos, femininos ou mistos) para menores ou adultos. A agora denominada Escola Profissional Mixta “Dr. Trajano Camargo” funcionou entre 1934 e 1939, num sobrado pertencente ao espólio do Dr. Trajano, na esquina da Rua Barão de Cascalho com a Rua Tiradentes. A Machina São Paulo doou as primeiras máquinas e recebia os alunos para as aulas práticas.
A duração dos cursos da escola profissional municipal era de dois ou três anos (conforme depoentes), para os maiores de doze anos. No período da tarde, diariamente, inclusive aos sábados, os alunos tinham aulas de mecânica ou marcenaria e, as alunas, aulas de corte e confecção, economia doméstica e puericultura. E, para todos eles, aulas de português e matemática. O curso noturno funcionava três vezes na semana (2ª, 4ª e 6ª feira), com aulas de corte e confecções, desenho técnico profissional e classes de alfabetização.
Relatos na imprensa escrita evidenciam que a escola teve participação efetiva na comunidade. Apesar da instalação precária, que não permitia grande montagem, obteve em cinco anos uma produção de vinte e um contos de réis, aproximadamente. Concedeu certificado de conclusão do curso profissional primário a noventa e um alunos de ambos os sexos e de alfabetização a duzentos alunos. Apesar dos resultados, o decreto nº 9.422, de 17 de agosto de 1938, transferiu para o Estado os encargos da Escola Profissional Municipal Mista Primária “Dr. Trajano Camargo” e fixou sua extinção para 1939. Assim, Limeira ficou sem a sua escola profissional primária, sem a pretendida escola profissional secundária e sem a prometida escola profissional agrícola e industrial. Portanto, a origem da atual Etec Trajano Camargo se encontra na Escola Profissional Mixta Primária de Limeira.
2. A escola industrial
O Decreto-lei nº 14.385, de 19 de dezembro de 1944, criou uma escola, sob a denominação de Escola Industrial “Trajano Camargo”, subordinada à Superintendência do Ensino Profissional da Secretaria da Educação e Saúde Pública, inicialmente com os cursos de mecânica de máquinas, fundição e máquinas e instalações elétricas. Sua organização e regime deveriam obedecer aos fixados pela Lei Orgânica do Ensino Industrial – Decreto-Lei Federal nº 4.073 de 20 de janeiro de 1942.
A Prefeitura Municipal de Limeira doou à Fazenda do Estado de São Paulo (abril de 1946), um terreno com cinco mil, setecentos e sessenta metros quadrados para a construção de prédio. As obras estiveram paralisadas durante anos, à espera de liberação de verbas. Apenas o prédio dos fundos estava pronto para acolher, em 1953, alunos, professores e funcionários.

Oficinas – lateral esquerda e direita, novembro de 1953. Acervo: Celestino Mikami.
No período diurno (manhã e tarde) funcionou o curso industrial básico de mecânica de máquinas. O currículo era composto por disciplinas de cultura geral e técnica e por práticas educativas. Ao final de quatro anos, os alunos recebiam um diploma de artífice na sua especialidade. A primeira turma se diplomou em dezembro de 1956. No período noturno funcionaram os cursos extraordinários de torneiro mecânico, ajustador mecânico, desenho técnico mecânico e desenho de plantas. O currículo contava com menos disciplinas do que o curso diurno. Após três anos de estudos, os alunos recebiam um certificado. A primeira turma de concluintes das duas primeiras secções ocorreu em dezembro de 1955 e a de desenho técnico mecânico em 1957.
Tanto no curso diurno como no noturno, o abandono da escola era grande, basicamente, pela necessidade de trabalhar (a lei permitia o trabalho para os maiores de 14 anos), mas também pelas dificuldades inerentes aos estudos acrescidas, no noturno, as de conciliar os estudos com o trabalho, a família e, às vezes, o serviço militar.
Nesse tempo, a Escola Industrial Trajano Camargo era uma instituição essencialmente masculina por seus alunos, mestres, professores e funcionários (diretor, contador, almoxarife, escriturário e serventes). Do sexo feminino, só a atendente e as professoras de português, ciências físicas e naturais, geografia do Brasil e história do Brasil.
No início de 1960, com o prédio da frente finalizado, mas não inteiramente concluído, entrou em funcionamento o curso feminino. E para cursá-lo necessário se fazia a aprovação nas provas de português e matemática, no chamado exame de admissão. Era a oportunidade para as jovenzinhas fazerem um curso novo na cidade, não acadêmico, que mesclava algumas disciplinas tradicionais com outras voltadas à administração do lar, aos trabalhos de corte e costura, flores e bordados e às práticas de cozinha. Era o curso ginasial industrial, secção corte e costura. Os rapazes frequentavam a secção mecânica de máquinas. As disciplinas de cultura geral – Português, Matemática, Ciências, Geografia ou História, Inglês, – e as práticas educativas – Educação Física e Canto – eram anuais e comuns aos dois cursos diurnos. Inicialmente, as turmas eram femininas ou masculinas. Na aula de canto se juntavam. A promoção, nas disciplinas de cultura geral e de cultura técnica, levava em conta as notas bimestrais e os exames, variando de zero a cem, além da frequência. Em canto e educação física a avaliação era unicamente por frequência (mínima de 75%). A nota final era a média aritmética das notas de cultura geral e de cultura técnica. Os estudantes que, por frequência insuficiente e/ou nota não atingissem a média 50, podiam fazer o exame de 2ª época, em até três matérias, em fevereiro. “Conservado” era a nomenclatura para aqueles que não alcançaram a média cinco em quatro ou mais disciplinas.
3. AS HABILITAÇÕES PROFISSIONAIS DE 2o GRAU
A história da escola Trajano Camargo tem sido estudada por décadas. Portanto, seria previsível e oportuno um estudo sobre algum tema dos anos de 1970. A escolha recaiu sobre as habilitações profissionais de 2º grau. A pesquisa teve início em 2014 para ser concluída em 2015. As fontes foram um depoimento de história oral, as fichas individuais de alguns alunos de metalurgia, os prontuários de professores, as grades curriculares e a “ata de registro do resultado de rendimento escolar” e “livro de registro de conceitos bimestrais, 5º conceito (conceito final) e o 7º conceito (conceito final definitivo) e resultado final, a partir do ano letivo de 1979”.
É sabido que, no Ginásio Industrial Estadual Trajano Camargo de Limeira, em 1974, foi autorizada a abertura de uma classe de 1ª série do 2º grau do curso técnico em metalurgia. No ano seguinte foram autorizados o funcionamento das habilitações profissionais de 2o grau, de técnico em eletromecânica, em economia doméstica e desenhista de ferramentas e dispositivos. Em 1976, o centro estadual interescolar recebeu o curso de nutrição e dietética, como a 5ª habilitação. Depois o de decoração e o de mecânica, respectivamente em 1977 e 1978. As habilitações profissionais eram parciais ou plenas, oferecidas nos turnos diurno e/ou noturno.
Nessa época, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, era o amparo legal do sistema educacional. Fixava para o ensino de 2º grau, na parte de educação geral, as áreas de estudo do núcleo comum: comunicação e expressão, estudos sociais e ciências. Em cada uma delas, elencava as disciplinas e sua distribuição pelas três ou quatro séries bem como o número de aulas semanais. A parte de formação especial era composta por matérias e disciplinas específicas de cada habilitação técnica. A LDB tornava obrigatória nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus a inclusão de educação física, educação artística, educação moral e cívica e programa de saúde. O ensino religioso, de matrícula facultativa, para os alunos, era disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais, nos dois graus.
Sem dados quantitativos de 1974, 1975 e 1976, nada pode ser dito sobre a matrícula, promoção, retenção, abandono e transferência dos alunos da 1ª turma do curso de metalurgia (1974-1976), dos alunos da 1ª e 2ª séries de eletromecânica, economia doméstica e desenho de ferramentas e dispositivos, tanto quanto da 1ª classe de nutrição e dietética.
Foram “masculinos” os cursos de eletromecânica, desenhista de ferramentas e dispositivos e mecânica. Foram “femininos” os cursos de nutrição e dietética, economia doméstica e decoração. Esses apresentaram as taxas mais elevadas de aprovação embora, em certas classes, considerável número de desistentes. O curso de metalurgia, com exceção da turma de 1974, sempre contou com algumas mulheres em suas classes, nada muito representativo, mas significativo. Assim, em 1977, numa classe de 44 alunos oito eram mulheres, todas promovidas na 3a série.
Tabela – Resultado final por série (1977/79)

Fonte: Livro de registro de conceitos bimestrais, 5º conceito (conceito final) e o 7º conceito (conceito
final definitivo) e resultado final, a partir do ano letivo de 1979 e ata de registro do resultado de
rendimento escolar.
A ficha da 1a série não registra conceitos obtidos em exames de seleção. Mas um cartão em alguns prontuários aponta para a essa prática – “inscrição à seleção para a 1a série 2o grau”. Há local para foto do candidato (a). É provável que os próprios professores do Trajano Camargo elaborassem as questões, tal como no tempo do ginásio industrial.
Nas primeiras séries, ocorriam elevadas taxas de retenção e de desistência (chamada “abandono”) que, em 1978 e 1979, somadas, superaram as taxas de promoção. Os cursos que mais reprovavam eram o de eletromecânica e de metalurgia. Os índices de aprovação superiores a 75% aconteciam nas séries terminais (3ª e 4ª). Mesmo assim, em 1979, é significativa a porcentagem dos desistentes na 4ª série, o que implicou num índice de promovidos inferior a 60%. Havia uma variação muito grande quanto ao número de alunos por classe. Exemplos extremos, oito alunos matriculados no curso de decoração e cinquenta e cinco na 1a série “E” do 2o grau básico. Ambas as classes do período noturno, em 1979.
Quais seriam as causas do abandono, da não conclusão? Dificuldades de aprendizagem, inserção no mercado de trabalho, distância entre casa e escola, mudança de domicílio, prestação do serviço militar, dificuldade de transporte, de conciliar trabalho e estudo? Ou a jornada de trabalho incompatível com o horário das aulas? Será que o curso técnico escolhido não correspondia às suas expectativas? O problema residia também nas deficiências de conhecimento e de metodologia de alguns professores? Será que não havia um projeto pessoal futuro que justificasse o “sacrifício” do presente? Havia casos de desistentes temporários, aqueles que voltavam depois de um ou 2 anos e de transferidos de um período para outro, no mesmo curso técnico, ou não. Por que eram formadas classes com mais de 50 alunos, apesar da elevada taxa de evasão? Ou será que era justamente por serem esperadas tais taxas é que as classes eram numerosas?
Esses questionamentos poderiam encontrar algumas respostas em atas de reuniões de professores, de diretores com professores, de conselho de classe (será que havia?). A conferir.
Com tantas habilitações profissionais, com tantos dados quantitativos, com uma variedade de organizações curriculares, com a necessidade de consultar fichas individuais de dezenas de alunos, de colher depoimentos de história oral, evidentemente, uma pesquisa seria insuficiente para dar conta da tarefa. Foi necessário determinar um curso técnico. A escolha recaiu sobre o de metalurgia.
4. ESTUDO DE CASO: O CURSO DE METALURGIA
Dentre todos os cursos profissionalizantes de nível técnico oferecidos pela instituição escolar, desde os anos de 1970, os que permanecem são metalurgia, nutrição e dietética e mecânica. Alguns foram extintos, outros foram substituídos por cursos afins, ou seja, da mesma área. O curso de metalurgia estava para completar 40 anos, em 2014. Uma boa razão para investigar sobre os currículos, alunos, professores e laboratórios, enfim, para conhecê-lo melhor. Para escrever um texto sobre os dados coletados. Para conseguir, pelo menos um depoimento de antigo aluno ou professor. Para apresentar os resultados desse “fazer histórico” num encontro com a comunidade escolar.
Ao tentar fazer um relato comparativo de três momentos do curso, foram levantadas as grades curriculares de 1974 (o ano da criação), 1994 (o ano da passagem para o Centro Paula Souza) e 2014 (o tempo presente). Mas elas deveriam ser confrontadas com os planos de curso, hoje denominados de plano de trabalho docente. Foram apresentados e superficialmente analisados.
Sobre os dez concluintes da 1a turma (1974-76) foi feita uma caracterização simples – idade, escola de origem, profissão dos pais, local de residência, religião, com os dados do requerimento de matrícula à 1a série do 2o grau. Algumas normas do regimento escolar, ou seja, da sua não observância vieram à tona nas suspensões dos infratores por 3 e 5 dias letivos. Os antigos alunos se lembraram da carência de materiais e de laboratório para as aulas práticas, em parte compensada com as visitas técnicas a empresas, efetivadas por empenhados professores. Alguns desses professores eram mestres, outros técnicos de nível médio, outros estudantes de curso superior. Para ministrar as aulas do núcleo comum, havia professores com licenciatura plena, tal como exigia a lei.
A fim de avaliar o grau de satisfação, no tempo presente, foi feita uma enquete com os alunos do 2o módulo, no 1o semestre de 2014. Foi-lhes perguntado: 1. Por que você faz esse curso? 2.Como avalia as aulas e os laboratórios? 3. Dê sugestões de melhorias. 4. Como fazer uma comemoração dos 40 anos do curso de metalurgia?
A pesquisa envolveu 23 alunos matriculados, todos homens, entre 16 e 29 anos. A maioria trabalhava em indústrias, alguns na área de metalurgia e concluintes do ensino médio. Os mais jovens eram aprendizes e estudantes do ensino médio. Em fevereiro, quando foi realizada a consulta, dois alunos estavam desempregados e, posteriormente, um trancou a matrícula. A maioria deles residia em Limeira, enquanto seis procediam de cidades vizinhas – Piracicaba, Cosmópolis, Sumaré e Engenheiro Coelho. Todos demonstraram compromisso com a enquete e sinceridade nas respostas.
Apontaram para “razões da escolha do curso”, o fato de: trabalhar na área; permitir a entrada no mercado de trabalho com maior qualificação profissional; conseguir o melhor desempenho no trabalho; envolver conhecimento de várias áreas como química, elétrica e mecânica, por exemplo. No geral, essa turma demonstrou satisfação com as aulas, tidas como interessantes, e com os professores, havidos como bem formados e competentes. Quanto às melhorias, a classe afirmou que as aulas poderiam ser mais dinâmicas e as visitas técnicas direcionadas a empresas dos diferentes ramos da indústria metalúrgica. Os laboratórios de metalografia, bromatologia, elétrica e fundição foram considerados bem equipados e satisfatórios. Mas poderiam ser melhores se houvesse mais bancadas, mais espaço, mais praticidade e organização e, mesmo, mais segurança. Depois dessa avaliação, aconteceram mudanças, como a reforma da rede elétrica e o descarte de um grande forno, abrindo espaço.
Os inqueridos disseram que os 40 anos da instalação do curso de metalurgia poderiam ser comemorados com a visita técnica a uma grande metalúrgica; uma apresentação dos processos metalúrgicos e do dia-a-dia em uma fundição; entrevistas com professores e profissionais da área e depoimentos de ex-alunos que ainda atuam na área, além de homenagem a antigos alunos e professores de hoje e do passado, sem faltar os comes e bebes.
No dia 24 de setembro foi realizada a sessão comemorativa dos 40 anos do curso de metalurgia. Um logo foi criado e reproduzido no banner, nos convites e nos certificados dos homenageados – um professor e três empresas parceiras. Antigos professores e alunos foram identificados e convidados para a cerimônia. Alguns compareceram. O programa se dividiu entre a leitura de um breve histórico do curso, e, com recursos de multimídia, apresentação das fotografias de alunos e professores do passado e do presente. Foram tiradas fotos. A palestra “Processo de microfusão” encerrou a sessão que foi simples, curta, precisa, de agrado dos presentes. Missão cumprida. Só não teve os “comes e bebes”.

Sessão comemorativa dos 40 anos de metalurgia – auditório da Etec Trajano Camargo, 24/09/2014
Da esq. p/ dir: prof. João Rafael Ambrosecchia, sr.Samuel Facco, sr.Francisco Gachet, engo. Miguel
Angelo Ceccherini, profa. Marlene Aparecida Guiselini Benedetti, prof. João Augusto Montesano, prof.
Expedito Jesus Silva, prof. Flávio Henrique Marcolino, prof. José Henrique Heydman Jr., engo. Lineu
Peixoto dos Santos, profa. Darli Aparecida Rosada, prof. Farid Zaine, prof. José Roberto Toledo,
Flávio Aparecido Rofatto, Júlio Cesar Bais Pezzotto, Edison José Batisttella e Luiz Roberto Rossi – os
quatro últimos antigos alunos.
Fotografia: Ana Carolina de Siqueira Lima
REFERÊNCIAS
Fontes primárias: Arquivo da Câmara Municipal de Limeira, Arquivo do jornal Gazeta de Limeira, Arquivo da Etec Trajano Camargo.
Fontes orais: Depoimentos de antigos alunos e funcionários da escola profissional e da escola industrial Trajano Camargo: Alfredo Pezzoto, Dora de Arruda Binotti, Ida de Souza Coelho, Muris Dumit, Edison José Christovam, Maria Conceição Negro
Siqueira, Everaldo Chinellato, José Carlos Faveri, Osmar Bacan Antenor Ghisellini, Nairo Angelo Ferlin, Júlio Amércio Barbugli Abbade, Maria Elisa Panaro, Lori Ferreira de Camargo Bacan, Sílvia Helena Ragazzo Pastori, Maria Christina Martensen Belatini e Mariusa da Silva.
Depoimentos de antigos professores da Escola Industrial Trajano Camargo: Celestino Mikami, Maria Negro Lencioni, Daisy Santiago Ramello Ferreira, Júlio Américo Barbugli Abbade, Manoel da Silva, Antonio Vanderlei de Quintal, José Henrique Heydman Jr. e Flávio Henrique Marcolino.
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15/02/2015